Quando como ou bebo algo, por vezes me vem o pensamento de quem inventou ou descobriu tal iguaria e como isso aconteceu. Creio que isso não é uma exclusividade minha. Muita gente deve se perguntar e ficar imaginando esse “como foi”. E isso não seria diferente com o vinho.
É uma história complexa e de longuíssima data. Não se consegue precisar sua origem. São várias hipóteses e teorias, e, cada cultura exibe sua versão baseada em sua história e nas suas crenças. O certo é que o vinho ultrapassou e continua atravessando civilizações, por muito, muito tempo. Alguns falam em 8.000 anos A.C., mas o intervalo entre 7.000 e 5.000 anos A.C. talvez seja mais crível pelos estudiosos. A precisão histórica de sua origem é impossível, pois o vinho nasceu antes da escrita.
A lenda conta que tudo aconteceu por acaso, que alguém esqueceu um punhado de uvas amassadas em um recipiente e elas sofreram uma fermentação espontânea, e, assim, fiat vinum.
Assim como em vários alimentos, cultivar videiras para a produção do vinho só foi possível quando os povos nômades fixaram residência.
Algumas referências indicam a Geórgia, região do Cáucaso, como o local onde provavelmente se produziu vinho pela primeira vez, pois foram encontradas ali semente de uva datadas entre 8.000 a.c. e 5.000 a.C. As primeiras prensas e outros equipamentos para vinificação foram encontrados na Armênia datados de aproximadamente 4.000 a.C.
Os egípcios foram os primeiros a registrar em pinturas e documentos (datados de 3.000 a 1.000 a.C.) o processo da vinificação e o uso da bebida em celebrações.
O consumo de vinho aumentou com o passar do tempo e, junto com o azeite de oliva, foi um grande impulso para o comércio egípcio, tanto o interno como o externo. Os primeiros enólogos foram egípcios.
A partir de 2.500 a.C., os vinhos egípcios foram exportados para a Europa Mediterrânea, África Central e Reinos Asiáticos. Os responsáveis por essa expansão foram os fenícios, povo oriundo da Ásia Antiga e natos comerciantes marítimos. Em 2.000 a.C., chegaram à Grécia.
Saltamos no tempo para aproximadamente 1.800 a.C. quando aparece o Gilgamesh, uma obra literária das mais antigas da humanidade que tem um trecho que trata da fabricação do vinho. O Gênesis, da Bíblia, conta que Noé plantou um vinhedo e o livro sagrado dos judeus (Talmude), também fala sobre vinho.
Mais um salto no tempo e chegamos a Roma que surge como uma vila de pastores e agricultores, em 753 a.C. e em 146 a.C. já em expansão, e tendo a península Itálica, o Mediterrâneo e a Grécia já anexados ao seu território.
Roma não tardou em conquistar toda a região da Gália e, seguindo pelo vale do Rhône, chegaram até Bordeaux. A disseminação das videiras pelas outras províncias gaulesas rápida, e pode ser considerado um dos mais importantes fatos na história do vinho. Nos séculos seguintes, surgem Borgonha e Tréveris como centros de exportação de vinhos.
A predileção da época era pelo vinho doce. Os romanos colhiam as uvas o mais tardar possível, ou adotavam um antigo método, colhendo-as imaturas e deixando-as no sol para secar e concentrar o açúcar. Em contraposição do processo grego, que armazenavam a bebida em ânforas, o processo romano de envelhecimento era moderno. Guardavam o vinho em barris de madeira, o que aprimorava o sabor do vinho, processo ainda usado nos dias atuais.
Concluímos então que os principais povos responsáveis pelo desenvolvimento da cultura e da bebida foram os egípcios, os gregos e os romanos. Quando acontece a decadência dessas civilizações, uma grande crise abate a Europa e suas províncias foram reduzidas a reinos de futuro incerto e péssimas relações, o que gera instabilidade econômica. O vinho sofre então um recuo neste continente. O envelhecimento não é mais em barris de madeira boa, e isso alonga o tempo de oxidação da bebida e com isso provoca seu consumo ser imediato, perdendo a pompa e o glamour dos vinhos antigos. A vinicultura só voltaria a se beneficiar com o surgimento do poder religioso da Igreja Católica.
Quando o imperador romano Constantino, no séc. IV, se converte ao cristianismo, a Igreja Católica se fortalece como instituição. Se torna a detentora da verdade e da sabedoria. O simbolismo do vinho na liturgia católica tem imenso enfoque: o sangue de Cristo. A Igreja começa a se estabelecer como proprietária de extensos vinhedos nos mosteiros das principais ordens religiosas da Europa. Os mosteiros eram recantos de paz, onde o vinho era produzido para o sacramento da eucaristia e para sustento dos monges. Importantes mosteiros franceses se localizavam nas regiões de Borgonha e Champagne, regiões que foram e são produtoras de vinhos de qualidade. O vinho também se sobressai no setor médico: acreditando-se que os aromatizados possuíam propriedades curativas contra várias enfermidades. Com o passar do tempo e o melhoramento do conhecimento, surgem outros estilos de vinhos, além do tinto, os brancos, os rosés e os espumantes.
Chega o Séc. XIII e as cruzadas católicas libertam o Mar Mediterrâneo do monopólio árabe e possibilita a exportação do vinho pelas vias marítimas.
Vem o período das grandes navegações e com isso o continente americano recebe vinhedos durante o período da colonização espanhola. Cristóvão Colombo leva uvas para as Antilhas, as videiras se adaptam às terras tropicais e são levadas para México, Estados Unidos e para as colônias espanholas da América do Sul.
Já com a Revolução Industrial, Séc. XVIII, o vinho perdeu muito em qualidade, passou a ser fabricado com novas técnicas para possibilitar sua produção e venda com menores preços e grandes quantidades. Mesmo que buscassem manter as tradições em regiões do interior da França, Itália e Alemanha, a vinificação sofreu enormes mudanças ajustando-se ao mundo industrial.
Mais alguns passos no tempo e temos a cultura das uvas e a vinificação evoluindo muito no Séc. XX, graças aos avanços da tecnologia e da genética. Cruzamentos genéticos das cepas das uvas, formação de leveduras transgênicas e produção mecanizada melhoraram em grande escala a qualidade, o sabor e a diversidade do vinho, atingindo paladares dos mais diversos.
Claro que isso é apenas uma pincelada leve nessa longa participação do vinho na história da humanidade e sua evolução através dos tempos.
Inúmeros aspectos e detalhes, propositadamente ficaram de fora, mas mais adiante podemos tocar nesses pontos de maneira específica.